terça-feira, 6 de outubro de 2009

Diário de Purgatório


1 de Janeiro de 2008

Depois de tanto tempo, finalmente os corpos entregaram-se ao deleite. A aproximação foi tão intensa, que meus pensamentos adormeceram e acordaram, com sua face impregnada em mim. Sua presença me fez muito bem, seu abraço me reconfortou e seu beijo cálido tornou-me, por um momento, sensível novamente.

Ainda posso sentir a brisa morna daquela noite eterna, onde ficamos sentados à luz da Lua, como dois adolescentes despreocupados com o tempo. Tínhamos as estrelas como espectadoras e Órion “o caçador” velava por nossas vidas, como que protegendo-nos. Tudo isso, para que nada pudesse estragar a incrível descoberta que fizemos. A descoberta dos braços um do outro...

Vez por outra, o silêncio instaurava-se no lugar e os corpos entrelaçados num abraço terno, selavam o momento como se fosse o último encontro, como se só restasse a ambos poucos momentos de vida e a ânsia por permanecer naquele estado de êxtase e profunda paz, fosse tudo que nos restasse.

Foram incontáveis as vezes que ficamos juntos e conversamos sobre coisas banais, as vezes que saímos sem rumo ou as vezes que tínhamos um trajeto certo a seguir. Eu, no fundo sabia que esse dia chegaria...

O dia em que deixaríamos de ser somente amigos, mas, não esperava que essa renúncia fosse ser tão fácil. Ainda assim, tudo está funcionando perfeitamente bem, nenhum envolvimento sentimental me toma nesse momento, apenas o pr

azer de estar na presença de alguém. O plano é esse... Envolvimento sem env

olver-se. Tudo passageiro... E assim continuará sendo, por mais que uma pontada de sentimentalismo, resquícios de uma época remota, queira me “pregar uma peça”.




10 de Janeiro de 2008

O vento fresco lá fora, anuncia que o calor exacerbado do dia, logo será amenizado por uma chuva fina e refrescante, típica do verão. Eu aqui, cercada por duas massas de ar quentes, prestes a provocar um “El Nino” dentro de mim. A brisa morna advinda do ar da estação, quase se choca com o calor emanado de meu corpo inconstante. Acho que estou gostando dele e isto não estava nos planos...

Preciso organizar meus pensamentos. As idéias jorram como as altas cachoeiras, de forma tão intensa quanto essas, mas, não tão orientadas. Vez por outra, uma frase mais ou menos pronta vem à tona, sobressaindo-se e ainda assim é impossível prever a que rumo ela irá seguir. Estou me envolvendo e deixando que ele se envolva demais; não sei o que faço para continuar sem me apaixonar ou terminar sem me arrepender. Não me permito amar novamente, mas como evitar que ele me ame?

Um grande paradoxo... Essa é a melhor e mais acertada definição para tudo que sou e faço. Queria poder agir de acordo com as emoções que por vezes me tomam inteiramente, até me sufocar. Mas, essas são amenizadas por algumas palavras borradas de tinta azul no papel. As decisões, essas sim, são deixadas para que a razão tome conta, por mais que a emoção insista em querer intervir. Uma luta é travada dentro de mim, um tormento que às vezes precisa ser acalmado. Do contrário, pode me deixar louca a qualquer momento.

Viver de ilusões é para os fracos. Eu vivo a realidade, por mais que essa não seja tão bonita, quanto o que nosso cérebro teima em assumir como verdade.




14 de Janeiro de 2008

O que fazer quando um sentimento pungente começa a querer dominar sua vida? Algumas pessoas entregam-se completamente a ele. Eu fujo...

Estou aqui, a bem mais de um mil e quinhentos quilômetros de casa, numa cidade construída aos pés de uma Serra. A chuva é uma constante e desde que cheguei, há dois dias, ela não parou por um minuto sequer. Uma chuva fina e fria que deixa no ar uma neblina densa que os moradores costumam chamar de “russo”, além de um clima frígido, fazendo com que às vezes eu esqueça que estou em pleno verão. Vez por outra, não é possível enxergar quase nada a sua frente, ela toma a paisagem por completo e apenas uma fumaça branca pode ser percebida em todo o perímetro visível.

Da janela lateral da cozinha, pode-se avistar a montanha íngreme e pontiaguda, coberta por uma vegetação rasteira e pequenos ductos de rocha, por onde a água do lençol freático aflorante, por vezes escorre. Em torno da mesma, existe uma cobertura vegetal densa, com altas árvores exuberantes que se mesclam entre um esverdeado grosso e cores indefinidas.

Ao fundo, o rádio da sala-de-estar está tocando “Smile” e eu me deixo levar pela música, pela paisagem e pelo clima. Tudo me transporta ao fundo e faz com que eu comece a pensar na vida e no que estou fazendo aqui. O objetivo da viagem e o fracasso que está sendo...

Quero confessar agora, que resolvi viajar, alegando uma visita a parentes que nunca vi na vida. Mas, a verdade é que estou fugindo. Fugindo de alguém ou algo que não consigo definir muito bem, fugindo da cidade que moro desde que nasci, das pessoas que me rodeiam, de um relacionamento há pouco terminado e um há pouco iniciado... Fugindo de mim mesma e dos sentimentos que por vezes me vêem à tona.

O único problema nisso tudo, é que não estou conseguindo me desvencilhar dos problemas que me rondam. Esperava desligar-me desse mundo e esquecer tudo e todos, mas a cada dia que passa, eu sinto mais e mais, que fugir não fora exatamente a solução mais acertada. A distância só está fazendo com que eu pense mais, sinta mais, me deprima mais e o pior... estou sem alguém para poder compartilhar todas as angústias que trago.

Eu quero seguir o plano, mas está praticamente impossível e o que mais me preocupa é que estou pensando muito nele. Sinto falta de seu abraço quente e confortável, onde as nuances amadeiradas de seu perfume adentram minhas vias aéreas e me fazem viajar por um momento... Por quê? Eu não posso permitir que um novo amor tome conta de mim, não agora... Há pouco, consegui livrar-me de um amor pesado e sem futuro e almejava ficar livre e permanecer neste estado por anos... Vai contra todos os meus princípios e ideologias entregar-me tão facilmente a uma nova prisão. Por que os grilhões insistem em me perseguir? Não seria eu, alguém auto-suficiente? Tenho tantas filosofias de vida e planos... Desejo ser livre... Queria ser livre... Por que desejo prender-me em seus braços?




16 de janeiro de 2008

Já não consigo suportar ficar aqui nem mais um minuto. Cinco dias longe de meu Estado, me fizeram sentir muita saudade daquele lugar. Eu tive tanta vontade de fugir e me afastar de tudo e de todos. Porque quero tanto voltar ao estado de monotonia aguda e aflição constante? Seria eu, algum tipo de masoquista passiva? Alguém que precisa estar em contato com sentimentos aflorantes o tempo todo me atormentando, para que eu me sinta viva?




17 de janeiro de 2008

Está tudo decidido. Amanhã mesmo voltarei para casa. Sinto saudade das responsabilidades caindo sobre mim e das pessoas que me atormentam. Meu destino é viver eternamente fugindo dos lugares que me encontro e eu já aceitei esse ir-e-vir constante. Isso me faz muito bem, pois a todo o momento entro em contato com lugares e pessoas novas e diferentes. Refúgios que de uma hora para outra se tornam prisões...

Hoje, amanheci desolada e a primeira coisa que me veio em mente, foi sair daquela casa o mais depressa possível. Rumei para um parque ecológico no meio do nada, o único lugar no mundo onde eu poderia encontrar a paz almejada e conseguiria esquecer a ânsia de inconstância que é minha vida. Meu próprio “não-lugar”, meu shopping local particular...

Aqui, as árvores me escutam. O vento me acaricia a face. O contraste harmonioso entre o azul do céu e o verde da Mata Atlântica, me acalma. Andei por seus caminhos de cascalho batido, ouvi o ruído bom das águas do lago e embrenhei-me por entre uma trilha de rochas deterioradas, um solo amarelo-avermelhado com uma densidade incrível de cobertura vegetal. No mesmo instante em que coloquei meu par de membros de sustentação sobre a trilha para iniciar o trajeto, uma brisa fresca apoderou-se de meu corpo e senti como se tivesse atravessado um portal. Transportei-me para outro mundo e senti pela primeira vez em meses, que era livre... Minha mente livrou-se de todo e qualquer pensamento, minha própria sessão de meditação. Meu corpo só queria seguir aquele caminho, sem pensar aonde iria chegar. Flutuei por entre seus galhos e folhas, agarrei-me por vezes no tronco dos Ipês. Eu estava prestes a atingir o Nirvana.

As cigarras saldavam-me com seu canto ensaiado, prestes a sacrificarem suas vidas para manter aquele ambiente com o som característico. Seu sacrifício era como bálsamo para mim. A cada passo que dava, sentia-me mais e mais parte integrante daquele ambiente, queria ser, como nunca quis antes, parte dele. Seres simbiontes... Eu, sendo o adubo para alimentar suas raízes sedentas e ele, sendo o alívio para minhas perturbações.

O som da água do lago mal podia ser escutado, eu estava a alguns quilômetros do meu local de origem. Para qualquer lado que eu olhava, somente galhos e árvores, folhas secas no chão e uma brisa agradabilíssima. Até mesmo o céu parecia-se intimidado com tamanha exuberância de espécies. Olhando para cima, apenas alguns feixes do azul celeste escapavam por entre as frestas arborizadas. Estava cercada, encurralada e ainda assim, estava livre... Livre de todo e qualquer pensamento, todo e qualquer rosto...

Será que eu saberia voltar? O que importa? Até esse momento, meu caminho esteve totalmente perdido. Nunca estive tão certa de um trajeto quanto agora... E eu sabia que se quisesse encontrar o que tanto procurava, seja lá o que fosse, era só seguir em frente... Só seguir...

2 comentários:

Luigi Ricciardi disse...

Laís. Meus parabéns pela nova cara do blog. E parabéns por esses escritos. Há nuanças, de um amor realizado à distância de casa e de si mesmo.

Continuemos nossa busca, a eterna busca do mergulho mais profundo na arte

Marco Hruschka disse...

Reflexões intensas, insanamente sensitivas! Metáforas levemente profundas. Nada mais complexo do que o amor. Laís, parabéns pelo escrito, percebi uma evolução significativa em tua escrita. Belas descrições paisagísticas. Um beijo carinhoso!

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