sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Desabafo

Indignação...
Como poderemos mudar o mundo, se não conseguimos pensar que somos partes integrantes desse todo?
A empatia, que a meu ver é o único sentimento que poderia evitar que atrocidades fossem cometidas, existe de forma silenciosa, quase impraticável...
Será que é tão difícil entender que assim como você, animais sentem frio, fome, dor? Será que é tão complicado se colocar no lugar deles ou de qualquer outra pessoa?
As redes sociais conseguem aumentar ainda mais o nível de hipocrisia de certas pessoas, que se travestem de “pessoa ideal” para a sociedade e escondem por trás de suas máscaras tecnológicas, nada além de um recipiente, sem sentimentos...
Malditos sejam os hipócritas, que julgam as pessoas, que fingem se preocupar com o que acontece no mundo, que reclamam do aquecimento global, mas, que se quer, conseguem guardar um papel de bala na bolsa até achar uma lixeira, ao invés de jogar no chão.
Eu não preciso de um livro que me diga que eu devo amar ao próximo como a mim mesmo, para pensar no por que de eu estar aqui hoje e ter tudo que eu tenho e outras pessoas, em todos os lugares do mundo, não terem o mínimo necessário à sua sobrevivência. Eu não preciso acreditar em um ser superior, para olhar nos olhos de um cachorro ou qualquer outro animal abandonado e ver neles o brilho da inocência e ler o pedido de ajuda.
Enfim, seres com telencéfalo altamente desenvolvido e polegar opositor, não se sintam tão superiores por conta de uma vantagem genética. O que adianta a evolução pela qual passamos e todas as facilidades tecnológicas atuais? O que adianta criar seres humanos cada vez mais conectados a tudo e a todos em um mundo virtual, enquanto a “alma” está desligada do mundo real?
Desculpem o desabafo, mas, é muita coisa para digerir ao mesmo tempo, muita maldade jogada na minha cara... Meu coração sangra ao ver o nível de maldade que o ser humano pode chegar. Mas, quando o alvo dessa maldade são os animais, aí, uma parte de mim morre, a parte que ainda tem fé no ser humano e que quer mudar o mundo...

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Soneto a quatro mãos - Vinícius de Moraes


Tudo de amor que existe em mim foi dado

Tudo que fala em mim de amor foi dito

Do nada em mim o amor fez o infinito

Que por muito tornou-me escravizado.



Tão pródigo de amor fiquei coitado

Tão fácil para amar fiquei proscrito

Cada voto que fiz ergueu-se em grito

Contra o meu próprio dar demasiado.



Tenho dado de amor mais que coubesse

Nesse meu pobre coração humano

Desse eterno amor meu antes não desse.



Pois se por tanto dar me fiz engano

Melhor fora que desse e recebesse

Para viver da vida o amor sem dano.

Minha pequena homenagem ao mestre do amor. Aquele que dizia tudo, sem nada dizer. O que sabe definir e viver intensamente esse sentimento que é, ao mesmo tempo sagrado e profano.
Cada palavra escrita nesse poema é um transporte ao seu mais íntimo pensamento. Sinto-me privilegiada por me identificar tanto com o mesmo ...
Viva o amor descrito por Vinícius !

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Diário de Purgatório


1 de Janeiro de 2008

Depois de tanto tempo, finalmente os corpos entregaram-se ao deleite. A aproximação foi tão intensa, que meus pensamentos adormeceram e acordaram, com sua face impregnada em mim. Sua presença me fez muito bem, seu abraço me reconfortou e seu beijo cálido tornou-me, por um momento, sensível novamente.

Ainda posso sentir a brisa morna daquela noite eterna, onde ficamos sentados à luz da Lua, como dois adolescentes despreocupados com o tempo. Tínhamos as estrelas como espectadoras e Órion “o caçador” velava por nossas vidas, como que protegendo-nos. Tudo isso, para que nada pudesse estragar a incrível descoberta que fizemos. A descoberta dos braços um do outro...

Vez por outra, o silêncio instaurava-se no lugar e os corpos entrelaçados num abraço terno, selavam o momento como se fosse o último encontro, como se só restasse a ambos poucos momentos de vida e a ânsia por permanecer naquele estado de êxtase e profunda paz, fosse tudo que nos restasse.

Foram incontáveis as vezes que ficamos juntos e conversamos sobre coisas banais, as vezes que saímos sem rumo ou as vezes que tínhamos um trajeto certo a seguir. Eu, no fundo sabia que esse dia chegaria...

O dia em que deixaríamos de ser somente amigos, mas, não esperava que essa renúncia fosse ser tão fácil. Ainda assim, tudo está funcionando perfeitamente bem, nenhum envolvimento sentimental me toma nesse momento, apenas o pr

azer de estar na presença de alguém. O plano é esse... Envolvimento sem env

olver-se. Tudo passageiro... E assim continuará sendo, por mais que uma pontada de sentimentalismo, resquícios de uma época remota, queira me “pregar uma peça”.




10 de Janeiro de 2008

O vento fresco lá fora, anuncia que o calor exacerbado do dia, logo será amenizado por uma chuva fina e refrescante, típica do verão. Eu aqui, cercada por duas massas de ar quentes, prestes a provocar um “El Nino” dentro de mim. A brisa morna advinda do ar da estação, quase se choca com o calor emanado de meu corpo inconstante. Acho que estou gostando dele e isto não estava nos planos...

Preciso organizar meus pensamentos. As idéias jorram como as altas cachoeiras, de forma tão intensa quanto essas, mas, não tão orientadas. Vez por outra, uma frase mais ou menos pronta vem à tona, sobressaindo-se e ainda assim é impossível prever a que rumo ela irá seguir. Estou me envolvendo e deixando que ele se envolva demais; não sei o que faço para continuar sem me apaixonar ou terminar sem me arrepender. Não me permito amar novamente, mas como evitar que ele me ame?

Um grande paradoxo... Essa é a melhor e mais acertada definição para tudo que sou e faço. Queria poder agir de acordo com as emoções que por vezes me tomam inteiramente, até me sufocar. Mas, essas são amenizadas por algumas palavras borradas de tinta azul no papel. As decisões, essas sim, são deixadas para que a razão tome conta, por mais que a emoção insista em querer intervir. Uma luta é travada dentro de mim, um tormento que às vezes precisa ser acalmado. Do contrário, pode me deixar louca a qualquer momento.

Viver de ilusões é para os fracos. Eu vivo a realidade, por mais que essa não seja tão bonita, quanto o que nosso cérebro teima em assumir como verdade.




14 de Janeiro de 2008

O que fazer quando um sentimento pungente começa a querer dominar sua vida? Algumas pessoas entregam-se completamente a ele. Eu fujo...

Estou aqui, a bem mais de um mil e quinhentos quilômetros de casa, numa cidade construída aos pés de uma Serra. A chuva é uma constante e desde que cheguei, há dois dias, ela não parou por um minuto sequer. Uma chuva fina e fria que deixa no ar uma neblina densa que os moradores costumam chamar de “russo”, além de um clima frígido, fazendo com que às vezes eu esqueça que estou em pleno verão. Vez por outra, não é possível enxergar quase nada a sua frente, ela toma a paisagem por completo e apenas uma fumaça branca pode ser percebida em todo o perímetro visível.

Da janela lateral da cozinha, pode-se avistar a montanha íngreme e pontiaguda, coberta por uma vegetação rasteira e pequenos ductos de rocha, por onde a água do lençol freático aflorante, por vezes escorre. Em torno da mesma, existe uma cobertura vegetal densa, com altas árvores exuberantes que se mesclam entre um esverdeado grosso e cores indefinidas.

Ao fundo, o rádio da sala-de-estar está tocando “Smile” e eu me deixo levar pela música, pela paisagem e pelo clima. Tudo me transporta ao fundo e faz com que eu comece a pensar na vida e no que estou fazendo aqui. O objetivo da viagem e o fracasso que está sendo...

Quero confessar agora, que resolvi viajar, alegando uma visita a parentes que nunca vi na vida. Mas, a verdade é que estou fugindo. Fugindo de alguém ou algo que não consigo definir muito bem, fugindo da cidade que moro desde que nasci, das pessoas que me rodeiam, de um relacionamento há pouco terminado e um há pouco iniciado... Fugindo de mim mesma e dos sentimentos que por vezes me vêem à tona.

O único problema nisso tudo, é que não estou conseguindo me desvencilhar dos problemas que me rondam. Esperava desligar-me desse mundo e esquecer tudo e todos, mas a cada dia que passa, eu sinto mais e mais, que fugir não fora exatamente a solução mais acertada. A distância só está fazendo com que eu pense mais, sinta mais, me deprima mais e o pior... estou sem alguém para poder compartilhar todas as angústias que trago.

Eu quero seguir o plano, mas está praticamente impossível e o que mais me preocupa é que estou pensando muito nele. Sinto falta de seu abraço quente e confortável, onde as nuances amadeiradas de seu perfume adentram minhas vias aéreas e me fazem viajar por um momento... Por quê? Eu não posso permitir que um novo amor tome conta de mim, não agora... Há pouco, consegui livrar-me de um amor pesado e sem futuro e almejava ficar livre e permanecer neste estado por anos... Vai contra todos os meus princípios e ideologias entregar-me tão facilmente a uma nova prisão. Por que os grilhões insistem em me perseguir? Não seria eu, alguém auto-suficiente? Tenho tantas filosofias de vida e planos... Desejo ser livre... Queria ser livre... Por que desejo prender-me em seus braços?




16 de janeiro de 2008

Já não consigo suportar ficar aqui nem mais um minuto. Cinco dias longe de meu Estado, me fizeram sentir muita saudade daquele lugar. Eu tive tanta vontade de fugir e me afastar de tudo e de todos. Porque quero tanto voltar ao estado de monotonia aguda e aflição constante? Seria eu, algum tipo de masoquista passiva? Alguém que precisa estar em contato com sentimentos aflorantes o tempo todo me atormentando, para que eu me sinta viva?




17 de janeiro de 2008

Está tudo decidido. Amanhã mesmo voltarei para casa. Sinto saudade das responsabilidades caindo sobre mim e das pessoas que me atormentam. Meu destino é viver eternamente fugindo dos lugares que me encontro e eu já aceitei esse ir-e-vir constante. Isso me faz muito bem, pois a todo o momento entro em contato com lugares e pessoas novas e diferentes. Refúgios que de uma hora para outra se tornam prisões...

Hoje, amanheci desolada e a primeira coisa que me veio em mente, foi sair daquela casa o mais depressa possível. Rumei para um parque ecológico no meio do nada, o único lugar no mundo onde eu poderia encontrar a paz almejada e conseguiria esquecer a ânsia de inconstância que é minha vida. Meu próprio “não-lugar”, meu shopping local particular...

Aqui, as árvores me escutam. O vento me acaricia a face. O contraste harmonioso entre o azul do céu e o verde da Mata Atlântica, me acalma. Andei por seus caminhos de cascalho batido, ouvi o ruído bom das águas do lago e embrenhei-me por entre uma trilha de rochas deterioradas, um solo amarelo-avermelhado com uma densidade incrível de cobertura vegetal. No mesmo instante em que coloquei meu par de membros de sustentação sobre a trilha para iniciar o trajeto, uma brisa fresca apoderou-se de meu corpo e senti como se tivesse atravessado um portal. Transportei-me para outro mundo e senti pela primeira vez em meses, que era livre... Minha mente livrou-se de todo e qualquer pensamento, minha própria sessão de meditação. Meu corpo só queria seguir aquele caminho, sem pensar aonde iria chegar. Flutuei por entre seus galhos e folhas, agarrei-me por vezes no tronco dos Ipês. Eu estava prestes a atingir o Nirvana.

As cigarras saldavam-me com seu canto ensaiado, prestes a sacrificarem suas vidas para manter aquele ambiente com o som característico. Seu sacrifício era como bálsamo para mim. A cada passo que dava, sentia-me mais e mais parte integrante daquele ambiente, queria ser, como nunca quis antes, parte dele. Seres simbiontes... Eu, sendo o adubo para alimentar suas raízes sedentas e ele, sendo o alívio para minhas perturbações.

O som da água do lago mal podia ser escutado, eu estava a alguns quilômetros do meu local de origem. Para qualquer lado que eu olhava, somente galhos e árvores, folhas secas no chão e uma brisa agradabilíssima. Até mesmo o céu parecia-se intimidado com tamanha exuberância de espécies. Olhando para cima, apenas alguns feixes do azul celeste escapavam por entre as frestas arborizadas. Estava cercada, encurralada e ainda assim, estava livre... Livre de todo e qualquer pensamento, todo e qualquer rosto...

Será que eu saberia voltar? O que importa? Até esse momento, meu caminho esteve totalmente perdido. Nunca estive tão certa de um trajeto quanto agora... E eu sabia que se quisesse encontrar o que tanto procurava, seja lá o que fosse, era só seguir em frente... Só seguir...

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Soneto do Amor Total


Em homenagem ao aniversário de morte do mestre do amor, coloco um poema que me encanta, ao mesmo tempo que faz parte da minha realidade hoje. Queria entregar essas palavras a alguém que me completa e me torna mais feliz a cada dia, embora, nossas diferenças tenham se tornado mais evidentes também.

Amanhã, completaremos oito meses juntos e nesse tempo, muitas das coisas em que eu acreditava deixaram de existir e a única certeza que tenho, é que quero dividir minha vida com ele, por toda nossa eternidade. Eternidade essa que pode não durar para sempre, mas, será lembrada como uma parte essencial de tudo que sou.

Amo-te demais, meu Samurai.



Amo-te meu amor... não cantes

O humano coração com mais verdade

Amo-te como amigo e como amante

Numa sempre diversa realidade.


Amo-te enfim, de um calmo amor prestante

E te amo além, presente na saudade

Amo-te, enfim, com grande liberdade

Dentro da eternidade e a casa instante.


Amo-te como um bicho , simplesmente

De um amor sem mistério e sem virtude

Com um desejo maciço e permanente.


E de te amar assim, muito e amiúde

É que um dia em teu corpo de repente

Hei de morrer de amar mais do que pude.


Vinícius de Moraes



quinta-feira, 7 de maio de 2009

Quando se perde alguém.


Esse poema será lançado no próximo dia 15 de Maio, no livro "Antologia de Poetas Brasileiros Contemporâneos 53º volume" e está disponível no site da Câmara Brasileira de Jovens Escritores: http://www.camarabrasileira.com/apol53-047.htm
É uma homenagem a duas pessoas maravilhosas, as quais eu não tive a chance viver todas as expriências que poderia, por causa dessa maldita mania que os seres humanos têm, de acreditar que tudo é para sempre e que sempre teremos uma nova chance... Se vocês estão ao lado de quem amam, não percam a oportunidade de dizer tudo que querem, não arrumem desculpas. Simplesmente vivam o hoje como se fosse o último dia de suas vidas, por que na realidade, pode ser que seja mesmo...



As lembranças que eu não tenho me fazem falta...
Seu rosto cada vez mais se apaga de minha mente.
Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria por você...


Aquele dia, o último em que pude sentir sua face quente...
Se ao menos eu pudesse saber que não o veria mais,
Teria deixado tudo de lado...
Todo e qualquer compromisso, toda e qualquer desculpa, por você...


O que mais me dói, é querer lembrar e não ter lembranças;
É querer chorar e não ter pelo que chorar,
E é saber que você só passou a fazer parte de minha vida
Quando desapareceu dela...


(A Dudu e Josi)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Danação

Queria poder, por um minuto sequer, me livrar dos pensamentos que me atormentam a alma, das idéias que me instigam e da angústia que me toma por completo. Queria me livrar das vozes que ecoam dentro de mim e que por vezes, me tornam sombria.
Por que não consigo me desligar desse mundo por um momento? Por que as vozes não param de assombrar meus dias de agonia? Por que?... Por que?...
As perguntas jorram das entranhas de meus milhares de neurônios e sinto uma vontade inebriante de derramar-me em lágrimas, mas sou forte. Tenho que ser...
Não posso deixar que a tristeza emanada em mim agora, transpareça em minhas atitudes, pois, sou um exemplo a ser seguido, alguém que não deve levar uma vida em vão... De repente, sinto-me impulsionada a revirar minhas antigas coisas. O guarda-roupas encostado canhestramente na parede sem vida do quarto, me convida a explorá-lo, a relembrar um passado há muito esquecido.
Abro suas portas velhas e um cheiro de mofo invade minhas narinas, deixando-me sem equilíbrio. A poeira levantada dos objetos, irrita minhas vias aéreas e um espirro tenta se livrar dos ácaros que invadiram meu bem arquitetado corpo.
Uma caixa de papelão chama-me a atenção e eu, sem perceber estou com ela, sentada no chão imundo, iluminada por uma vela gasta e cercada por sons de pequenas patas no assoalho, movimentando-se incessantes. Era uma casa velha agora e os roedores, adoravam aquele lugar. Há alguns anos, eles não ousariam entrar ali, mas agora, eu era a intrusa. Esperava nunca mais ter que voltar... Tinha prometido a mim mesma que jamais voltaria naquele lugar enquanto morassem lá, mas a ultima notícia que recebi, convenceu-me que minha promessa podia ser esquecida. Eles estavam mortos...
Há dez anos, saí daqui somente com a roupa do corpo, pois estava no meu limite. Não podia suportar ficar nesta cidade interiorina, nesta casa, por mais nenhum momento. Estava apodrecendo aqui, assim como as minhas chances de um futuro promissor. Saí sem dizer adeus, sem esperar que aprovassem e sem nem ao menos pensar em voltar um dia.
Aos poucos, tornei-me conhecida e respeitada por meu trabalho como jornalista, fui à outros países, fiz alguns amigos e apesar de nunca ter me envolvido seriamente com ninguém, estava sempre acompanhada. Nunca mais voltei a olhar nos olhos dos bípedes que me deram vida, nem ao menos para mostrar o ar de triunfo que representava. Não, eu não tinha por que fazer isso... até agora.

-O que? Eu não posso fazer isso!
-Senhorita, somente você pode identificar os corpos, já que é a única filha que têm – dizia uma voz ao telefone, que identificava-se como sendo um policial rodoviário. Uma pessoa que me ligara para avisar-me sobre o acidente automobilístico e incumbir-me dessa tortuosa tarefa.
-Mas, eu não os vejo há muito! Sinceramente, não sou a pessoa mais indicada para esse trabalho.
-Não há o que eu possa fazer. Não cabe a mim julgar problemas familiares, estou fazendo meu trabalho. Quando poderá vir?
-Eu não esperava por isso. Preciso de pelo menos um dia...
-Muito bem, espero a senhorita amanhã – Desligou sem esperar resposta, como se não quisesse ouvir a próxima desculpa que daria, e ele estava certo em pensar assim.

Mal posso me lembrar do que vi naquele instituto. O cheiro de formol ainda está impregnado em mim, assim como a caricatura de meus pais ou o que sobrou deles. Não se pareciam em nada com os heróis de minha infância mas, também não se pareciam com os que eu deixei há anos. Lembravam qualquer coisa, menos seres humanos... Estavam com os rostos tão deformados, que não consegui senti nada além de repulsa, pois aqueles pedaços de carne pálida que via a minha frente, não eram eles. Eram apenas... pedaços...

Saí de lá desolada, sem rumo e quando percebi, estava sentada no chão do meu antigo e entocado quarto, uma caixa de papelão aberta e objetos antigos sobre o colo. As vozes na minha mente por um instante cessaram, mas as lembranças de minha juventude voltaram à tona, num golpe certeiro e pela primeira vez em anos, chorei sem parar. Um choro amargo, que não era de arrependimento, pois costumo me arrepender somente das coisas que não faço, mas era uma leve impressão de nostalgia, de saudade... Seria culpa?
Fotos, cartas de ex-namorados e ex-amigos, um cartão de Natal de minha madrinha, telegramas, alguns cartões de aniversário, o laço do primeiro arranjo de flores que ganhei, um pedaço de madeira em formato de coração, onde as seguintes palavras encontravam-se entalhadas: “Eu te amo” e “dois anos mais felizes”, uma caixa do fortíssimo calmante que eu costumava usar nas minhas épocas de crise – meio comprimido era suficiente para me manter “apagada” durante toda a noite... Eis a minha própria caixa de Pandora... meus dias mais felizes guardados dentro de um quadrilátero disforme e sem vida, enquanto os dias mais tristes armazenaram-se em mim. Por que as coisas boas são esquecidas tão facilmente? E por que essas mesmas trazem tanta dor, quando lembradas?
Fiquei durante muito tempo, olhando paralisada, aqueles objetos que pareciam cada vez mais, ganhar vida em minhas mãos. As lágrimas e as lembranças ainda jorravam sem parar em minha mente insana, só que dessa vez algo mais me atormentava, as vozes. Elas que há anos me perseguem, mas que ultimamente tornaram-se mais freqüentes.
-...“Você é uma pessoa má, e sabe disso, não é?!”...
- ...”Não, não posso ser assim, as pessoas me adoram! ”...
-...”Que falta você faria ao mundo nesse momento?”...
-...”Alguns chorariam muito, outros nem tanto.Mas depois de um tempo, você seria esquecida, por que as pessoas não amam, apenas acostumam-se com a presença umas das outras ”...
-...“não vê o que aconteceu com os bípedes, seus pais? Tanto tempo sem vê-los, fez com que sentisse nada, diante de suas mortes”...
-ISSO NÃO É VERDADE!! Eu... Eu...
Minha respiração tornou-se ofegante e cada vez mais, meus pulmões funcionavam num ritmo freneticamente rápido, o choro baixo de outrora, transformou-se em soluços pesados, incontidos. Seria eu, alguém tão má assim? Só queria que as vozes parassem de me falar o que dizer, pois nesse momento – e não sei como cheguei nesta cena – vinte cápsulas do antidepressivo que há pouco fora encontrado, estavam em minhas mãos trêmulas de pavor.
Podia ouvir o eco de meus próprios pensamentos, enquanto as vozes aumentavam meu tormento. Uma dança macabra misturava o que era real e ilusório. As vozes e os pensamentos pareciam um só. Eu mesma, já não conseguia me reconhecer. Uma segunda personalidade – que eu não sabia que possuía – estava apossando-se de meu corpo e minhas mãos começaram a rumar minha boca cálida Todas as cápsulas foram engolidas quase que ao mesmo tempo, minhas mãos ainda tremiam, dessa vez de estase... As vozes parariam dentro de alguns minutos e nunca mais voltariam... Nunca mais...

sábado, 27 de dezembro de 2008

Meu melhor amigo


Baseada num dos livros mais apaixonantes que li "Marley & Eu", decidi contar um pouco do amor que eu tenho por esses bichinhos maravilhosos. É uma história real, do meu primeiro cachorro, o primeiro amigo peludo de quatro patas, que conquistou meu coração e que permanece nele até hoje. É para você, Tarzan, meu melhor amigo da infância, a melhor lembrança de amor e amizade, que eu tenho dessa época.



Quando eu nasci, ele já estava lá. Seu nome era Tarzan, muito conveniente, aliás, pois não havia nada em que meu estimado vira-latas não subisse. Qualquer muro, parede ou árvore, ele simplesmente era um escalador nato.

Quando eu era ainda um bebê, minha mãe conta, que ele deitava-se embaixo de meu carrinho e quem ousasse se aproximar sem que ele aprovasse, levava um granido apavorante e um serrar de dentes em troca.

Ele acompanhou todo o meu desenvolvimento, e até mesmo quando comecei a engatinhar, meu bom amigo me escoltava. Claro, nessa época, eu ia até seu pote de comida e sem dificuldades, enfiava minhas mãozinhas na ração ou no arroz que havia sobrado e comia. Ele era meu cúmplice fiel.

Ele também brincava de ser herói. Da mesma forma que muros não o seguravam, uma simples coleira, também não. Quando saíamos de casa tranquilamente, na esperança de que Tarzan estivesse em sua casinha descansando, não conseguíamos nos conformar ao olhar para trás e ver no meio da rua, correndo sem escrúpulos, o vigoroso cachorro branco com a cara que mesclava tons que ia do caramelo ao preto. Quantas e quantas vezes nos escondíamos dentro das lojas, para que ele não nos achasse e ficávamos torcendo para que o mesmo não quebrasse ou estragasse nada. Quantas e quantas vezes íamos pegar um ônibus coletivo e do nada, víamos o cobrador espantando um cachorro que entrara atrevidamente no espaço. Era simplesmente desolador.

Mas, como eu disse anteriormente, ele brincava de ser herói. E aos poucos, essas escapadelas de meu cãozinho passaram a serem convenientes para mim em certas ocasiões. Quando eu tinha aproximadamente sete anos, minha mãe mandava que eu buscasse algumas coisas para o almoço, numa venda que se localizava a duas quadras de minha casa. O mercado ficava no fim de uma rua sem saída e para chegar lá, eu tinha que descer um espaço um pouco íngreme. O fato é que, no meio do caminho sempre aparecia um cãozinho maldito, que queria me morder sem explicação, e eu sem ter o que fazer corria de medo, esperando que em algum momento ele conseguisse me pegar. Mas, como num filme de super-herói, no último instante, eis que aparece meu salvador, Tarzan, sem piedade lançava-se ferozmente sobre o pobre cãozinho até que alguém ia separar a briga.

Além de tudo, ele era um caçador. Não havia qualquer bicho que sobrevivia ao mesmo teto que ele, gatos, galinhas, pombas, ratos, nada. Era vigoroso e amigo, companheiro nas brincadeiras e travesseiro nas sonecas. Quando estava triste, me abraçava a ele e chorava sem receios, parecia que ele podia me entender, pois nesses dias, ele não forçava nenhuma brincadeira. Era engraçado e fotogênico, nas minhas festas de aniversário, ficava embaixo da mesa esperando que alguém desse a ele algum petisco apetitoso e em todas as fotos, lá estava ele, a língua para fora e a felicidade estampada em sua linda carinha.

Quando, como todos os seres vivos, ele adoeceu sem explicação, fiquei atordoada e triste. Um dia, quando voltei da escola, ele não estava mais lá. A princípio, meu pai havia me dito, que ele tinha levado o Tarzan para um sítio, onde cuidariam dele até que ficasse bom novamente, para voltar para casa. Mas a terrível e cruel verdade, é que eu nunca mais voltaria a vê-lo. Só depois de alguns anos, é que tiveram coragem de me contar o que tinha acontecido e nesse dia, apesar de ter me acostumado com sua ausência, eu me derramei em prantos, sem remorsos.

E assim, acaba a história de meu cãozinho. O melhor e mais sábio amigo que uma criança pode ter na vida. Com um cão, você aprende a ter responsabilidades e a ser fiel. Aprende como é importante dar valor a vida, como é importante esquecer certas convenções e que se divertir às vezes, faz bem à vida. Não importa o quão levado seja seu cãozinho e quantas vezes você perdeu a paciência com ele, por uma arte realmente sem perdão, as histórias que ele deixa encravados na sua história, permanecem para sempre em sua memória. É assim que me sinto com relação ao Tarzan. E se perguntarem das coisas que sinto falta da minha infância, com certeza a imagem dele vem em minha cabeça, sem desculpas. Suas sandices e as vezes que briguei com ele, os chinelos que ele comia e o meu gato de estimação que ele matou... Consigo sentir seu cheiro e as lambidas que ele dava no meu rosto. Eu posso afirmar com toda a certeza, que ele não foi o melhor cão do mundo, mas foi o melhor amigo que já tive na vida.


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